Quarto da insanidade

Veio daqui

Brigitte foi enfim fazer os exames, sentiu repulsa, é claro porque pensar na possibilidade de ter sido violada de alguma forma - o que de fato aconteceu - lhe dava náuseas. Quem seria o desgraçado e aprontar tamanha monstruosidade? Violaram sua conduta, ao forjar aquele assassinato, violaram sua humanidade, porque levaria aquelas lembranças para sempre na memória e talvez tivessem violado algo a mais, seu corpo, mas torcia para que não, não queria ter para si mais aquele trauma.

Chegou um pouco tarde, fora trazida por alguém do HU a pedido de Charlie.

As colegas já deveriam estar indo dormir, ou dormindo.

Foi até a cozinha, e pegou um copo de leite, um velho costume, e bebeu escorada na bancada do centro, olhando para baixo, não tinha ninguém com ela, estava sozinha consigo mesma e isso já era incomodo, por mais que gostasse de ficar sozinha, naquela semana em especial isso tornou-se incomodo.

Lavou o copo ao fim do leite, e subiu para o quarto, Hannah já deveria ter ido dormir, foi até o banheiro, tirou a roupa e tomou um banho um pouco mais demorado, lavou os cabelos de novo, porque sempre pareciam estar sujos, e secou-os. Cuidar da aparência iria virar uma norma a partir de amanhã.

Dormiu mal, como na outra noite, ficando a olhar para a janela, e se perder entre as cortinas e as sombras produzidas pelo item de decoração. Dormiu um pouco, mas acordava assustada, e olhava para os lados temendo ouvir sirenes, ou mesmo acordar e se ver de novo num lugar como aquele com outro corpo do seu lado.

Ficaria ansiosa por saber dos resultados do exame. Mas, não agiria como uma maluca naquela manhã. Deve até ter visto o sol nascer pelas frestas da grande janela do quarto. Espreguiçou-se e levantou, até antes de Hannah.

Leu uma mensagem da gossip, como aquilo era cruel. Não sabia do passado de Hannah, nem de Sofia mas não pareciam ser ruins como o tabloide dizia ser.

Deixou um chocolate com nozes do lado dela, na cama.
Quando a garota acordasse veria o pequeno presente.

Se trocou, e pegou a mochila seguindo para o corredor e em seguida para a cozinha dando graças que sempre havia algo na geladeira para os garotas como ela, bolsistas.

Comeu e deixou tudo limpo, seguindo uma boa caminhada para o Campus central, teria três aulas pela manhã, tratou de prestar atenção nelas e evitar olhar no celular.

Não queria ver Timothy, queria distancia por hora. E tratou de passar longe do bosque.

Passaria no conservatório da Universidade antes do almoço, talvez mudasse seus planos, queria conhecer o lugar.

E talvez fosse bom poder tocar piano de novo. Sempre acalmava a alma.

Agradecia pelo quarto estar vazio e não é que eu não gostase da Brigitte, a coitada só estava me pegando num dia ruim atrás do outro, mas o que poderia fazer a respeito? Balançava a cabeça em negativo e tomava um banho. Não conseguia discernir o que era água do chuveiro e o que eram lágrimas.

Por um instante me permiti sentir e foi horrível.

A sensação de não ser suficiente pra que alguém se apaixonasse por mim, a rejeição, o domínio da escuridão, tudo o que tinha passado antes e depois. Tablóides, fotos, acusações.

A morte dos pais, do irmão, Sarah... A Sarah voltava em meio aos flashs, as sensações, as frases ditas e a compreensão de que não era suficiente. De que não era ninguém.

Eu nunca fui ninguém.
Não fazia parte de uma família, me sentia sempre por fora e agora isso era mais prova do que tudo.

Não importa o que eu fizesse, me comportasse ou vestisse.

Sempre seria a louca.

Insuficiente, frustrada, louca.

Eu era louca.

Sentava na beira da cama, olhava pro criado mudo. Abria a gaveta e ficava brincando com o frasco de remédio entre os dedos.

Insuficiente. Louca.

Eu era louca.

Para todos ali seria sempre a louca surtada, a amante da Sofia, usada pela Sarah.

Insuficiente. Louca. Usada.

Eu era louca.

Tomava uma dose cavalar do remédio pra dormir.

Não precisava de sonhos e lembraças essa noite.

Só precisava apagar e com sorte ver que as coisas não ficaram piores amanhã.

E era assim que estava quando a Brigitte chegava. Apagada.

Tão pouco acordava de manhã. E quando abria os olhos, apenas tomava mais comprimidos e fechava de novo os olhos.

E de novo.

E de novo. Enquanto o dia passava.

- Levanta, preguiçosa...
Ouvia uma voz melodiosa me chamando, calma e tranquila.
Dava pra sentir o sorriso nos lábios.
Eu reconhecia a voz, fazia um sorriso brotar nos meus lábios antes mesmo de abrir os olhos. Sentia o cheiro de violetas inundando minhas narinas, o sorriso aumentava, me espreguiçava na cama tentando retirar de mim toda a preguiça.

- Só mais um pouquinho...
Murmurava na esperança de conseguir mais uns minutos de preguiça. Os braços que me envolviam eram quentes, sedosos. O toque suave.
Podia sentir o hálito matinal no meu rosto, o toque do seu nariz na minha bochecha.

- Já passou da hora... Levanta, vai... O dia tá lindo lá fora...
Um toque na minha bochecha e abria os olhos tendo um vislumbre do seu corpo sobre o meu antes da cortina se mexer e os raios de sol me despertarem de vez.

A sensação gostosa desaparecia num instante. O peso do dia anterior, das escolhas que fiz até ali e até das que não fiz já chegavam nos meus ombros.

Eu tinha ficado louca de vez? Só podia.
Mas o cheiro, o toque.
Um sonho talvez?
Tinha sido tão real.

Olhava pra cama da Bri e não a via lá, não era de se estranhar pela hora. Inclusive, que horas? Olhava no celular e via o chocolate na mesa de cabeceira. Tentava forçar um sorriso. Estava sendo uma péssima colega de quarto.

Pegava o celular e via as chamdas e mensagens.
Não adiantava fugir.
Eu era louca, não era?
Não dava pra disfarçar.
Isso não seria esquecido.

Que eu fosse a louca então.

Respondia as mensagens, mas apenas isso. Não tinha a menor paciência pra ligações agora. Comia o chocolate e seguia pro banho. Era rápido, apenas o suficiente pra despertar e organizar o que precisava.

Arrumava a cama, roupas sujas no devido lugar, tudo organizado.

Pegava a bolsa com o notebook dentro, colocava um caderno e albuns blocos de anotações e pronto.

Abria a porta, saía do quarto e quando estava prestes a fechar ouvia uma risada suave e contida lá dentro.

Colocava apenas a cabeça pra dentro do lugar e vasculhava o lugar.

Vazio.

Balançava a cabeça negativamente e saía de lá, uma rápida passada pela sala, sentia os olhares me acompanhando, mas ignorava. Precisava resolver algumas coisas.

O look continuava na linha de elegância e padrão ZBZ. Mais do que nunca precisava disso, mas dessa vez tinha um pouco de mim ali. O longo vestido floral tinha um decote recatado, alças largas e uma fenda que abria sutilmente conforme andava, tinha estratégicamente dado "um ponto" no tecido pra que não abrisse além do meio das suas coxas. Precisava manter o recato. As sandálias de salto médio nude eram um detalhe e focava no conforto, afinal, teria um longo dia pela frente.


((( VESTES )))

( Pós Festa da Angel )

Recebia a notícia de que meu irmão tava vivo, por mais estranho e louco que isso fosse. Tinha ficado grata, mas só acreditaria quando visse por mim mesma. O desespero tinha sido enorme, mas ao ver pela janela da UTI ele deitado ligado e dezenas de cabos e fios, tinha de alguma forma, aliviado o peso que carregava.

Eu praticamente tinha me mudado pro hospital. Passava na universidade apenas pra pegar roupas e resolver qualquer problema que fosse da minha alçada. Não iria sair do hospital, primeiro porque precisava ver o Ethan e conversar com ele, segundo... Pela segurança de todos. Alguém podia querer terminar o serviço e não que eu fosse de grande valia, mas seria ao menos mais um obstáculo.

As visitas restritas eram um saco, mas pelo menos tinha algo. Sentava ao lado dele e conversava, mesmo enquanto ele seguia desacordado. Contava histórias, lembranças, tentava manter a cabeça ocupada e sempre que estava fora do quarto, ficava pela recepção com o notebook no colo fazendo todas as pesquisas e tentando manter o contato com os outros.

Estava sentada na beira da cama, olhando pro quarto vazio tentando compreender tudo o que estava acontecendo quando sentia o celular vibrando. Lia a mensagem de Lionel e respondia rapidamente. Precisavam fazer alguma coisa. Mandava também mensagem pra Sofia.

Os gestos eram mais no automático do que qualquer outra coisa. Tirava as roupas sujas de bolsa, colocava no cesto e já botava roupas limpas. Conferia carregador de celular, carteiras, alguns papeis e seguia pra Ômega.

((( VAI PRA CÁ )))